Atualmente o art. 461 da CLT determina critérios para aferição do trabalho de igual valor, em especial os requisitos temporal e espacial, no entanto, devem ser sopesados na análise do caso concreto, sob pena de esvaziar o sentido igualitário da norma.
O presente texto visa uma reflexão sobre os requisitos exigidos para que seja reconhecido o direito à equiparação salarial, uma vez que atualmente a norma infraconstitucional dispõe de rígidos critérios objetivos traçados pelo art. 461 da CLT, divorciando-se da realidade da cultura globalizada que hoje se vivencia.
O que se propõe é uma nova abordagem pelos operadores do direito, levando em conta não apenas a norma infraconstitucional, mas também a adoção das perspectivas constitucional e internacional de direitos humanos de índole trabalhista no campo de aplicação do princípio da não discriminação.
Antes de enfrentarmos o cerne da discussão, é importante relembrar a origem da isonomia, pois é assegurada na Declaração Universal dos Direitos do Homem, a qual dispõe em seu artigo primeiro que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos.
O ordenamento jurídico pátrio rejeita o tratamento desigual daqueles que se encontram na mesma situação jurídica. Neste sentido é o que dispõe o art. 5º, caput e inciso I da CF, assim como, especificamente na seara trabalhista o art. 7º, inciso XXX: proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil.
Assim, tem-se que o combate à discriminação no trabalho humano está inserido no princípio constitucional da isonomia, pautando-se, ainda, na vigência dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e valores sociais do trabalho.
Para dar concretude a tal garantia constitucional, antes do advento da reforma trabalhista previa o art. 461 da CLT que, sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor (entre pessoas cuja diferença de tempo de serviço não for superior a dois anos), prestado ao mesmo empregador, na mesma localidade, corresponderá a igual salário, sem distinção de sexo, nacionalidade ou idade.
De outro lado, a mais alta Corte trabalhista, pacificou seu entendimento acerca da equiparação salarial através da súmula nº 06, cuidando precisamente da interpretação da expressão “mesma localidade” se refere “em princípio, ao mesmo município, ou a municípios distintos que, comprovadamente, pertençam à mesma região metropolitana” (item X do verbete sumular).
No entanto, com o advento da lei 13.467/17 houve a substituição da expressão “mesma localidade” por “mesmo estabelecimento empresarial”, restringindo ainda mais o critério espacial, na contramão da atual cultura globalizada.
Pois bem. O que aqui pretende-se demonstrar é que os parâmetros definidos no art. 461 da CLT, inclusive os requisitos temporal e espacial, devem ser sopesados diante da análise do caso concreto, aplicando presunção relativa quanto ao trabalho de igual valor. Explica-se.
Primeiro, ainda que praticada a literalidade do art. 461 da CLT deve-se observar a distribuição do ônus da prova no processo do trabalho, ou seja, cabe a quem faz o pedido provar a presença dos requisitos: identidade funcional, identidade de empregador, identidade de localidade de exercício das funções e simultaneidade desse exercício, por constitutivos do direito reivindicado.
E ao réu, cumpre a prova dos fatos modificativos, impeditivos ou extintivos do pleito equiparatório, quais sejam: diferença de produtividade e perfeição técnica, diferença de tempo no exercício da função superior a dois anos, labor em localidade diferentes e existência de quadro de carreira.
Diante disso, uma vez comprovada a identidade nas atividades exercidas, é mister que a reclamada tenha de comprovar a existência de distinções de condições de trabalho entre as regiões e justificar a disparidade salarial, não o fazendo, o pedido deve caminhar pela procedência.
Por outro lado, não se pode admitir que a reclamada implante uma política salarial para uma mesma função com base em critérios discriminatórios, uma vez que a diferença de localidade não é causa suficiente para justificar discrepantes diferenças salariais, devendo ser comprovado nos autos o custo de vida, situação do mercado de trabalho, além de outros fatores regionais configuram aspectos fáticos relevantes para determinar a diversidade de tratamento, ao nível legal, da questão salarial, o que também deve ser sopesado em cada caso.
De outro giro, há quem defenda a existência de regiões geoeconômicas, já tendo o tribunal pátrio decidido no sentido do reconhecimento à equiparação.
Portanto, a equiparação salarial se revela como justa medida de isonomia correspondente consagrada em nosso ordenamento jurídico e que visa a remunerar com igual salário os empregados que executam um conjunto de tarefas e misteres inerentes a uma mesma função, desempenhada em benefício sobre o mesmo empregador.
Repisa-se: a isonomia constitucionalmente prevista e decorrente dos ordenamentos jurídicos internacionais ratificados deve pautar no trabalho de igual valor. O trabalho em seu largo conceito e até mesmo o exercício de específica e determinada função, pode ou não ser desenvolvido em uma mesma localidade, sem que isso influencie a sua identidade.
Neste sentido, traz à baila o art. 6º da CLT, que assim dispõe:
“não se distingue entre trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego”.
Assim, a interpretação restritiva ao art. 461 da CLT (idêntica função, mesma localidade), na cultura globalizada que hoje se vivencia, é tarefa que, mais cedo ou mais tarde, os operadores de Direito haverão de enfrentar.
Com efeito, como priorizado desde a Carta de 1934, deve-se vedar a discriminação e garantir a igualdade, por meio da leitura teleológica e evolutiva dos conceitos que se inserem no artigo 461 da CLT e no texto constitucional inscrito no art. 7º, caput e XXX, como também preceituado no art. 5º da CLT: a todo trabalho de igual valor corresponderá salário igual, sem distinção de sexo.
Este raciocínio vai no sentido da interpretação evolutiva da lei infraconstitucional, em observância à hierarquia das normas (Constituição e dos tratados internacionais reconhecedores de direitos humanos fundamentais no trabalho), em face de rigidez infraconstitucional.
Daí a necessidade, da interpretação evolutiva ao art. 461 da CLT, sob pena de retrocesso no ordenamento juridico pátrio, em observância à hierarquia das normas (Constituição e dos tratados internacionais reconhecedores de direitos humanos fundamentais no trabalho), em face de rigidez infraconstitucional, que, por sua vez, se submete as mutações legislativas, com alteração do significado, do alcance e do sentido de suas regras, cuidando-se do reconhecimento do caráter evolutivo e dinâmico do Direito, que não está perfeito e acabado, mas deve sempre interagir com a realidade e os fatos sociais.
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Art. 461. Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, no mesmo estabelecimento empresarial, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, etnia, nacionalidade ou idade.
§ 1o Trabalho de igual valor, para os fins deste Capítulo, será o que for feito com igual produtividade e com a mesma perfeição técnica, entre pessoas cuja diferença de tempo de serviço para o mesmo empregador não seja superior a quatro anos e a diferença de tempo na função não seja superior a dois anos.
§ 2o Os dispositivos deste artigo não prevalecerão quando o empregador tiver pessoal organizado em quadro de carreira ou adotar, por meio de norma interna da empresa ou de negociação coletiva, plano de cargos e salários, dispensada qualquer forma de homologação ou registro em órgão público.
§ 3o No caso do § 2o deste artigo, as promoções poderão ser feitas por merecimento e por antiguidade, ou por apenas um destes critérios, dentro de cada categoria profissional.
§ 4º – O trabalhador readaptado em nova função por motivo de deficiência física ou mental atestada pelo órgão competente da Previdência Social não servirá de paradigma para fins de equiparação salarial.
§ 5o A equiparação salarial só será possível entre empregados contemporâneos no cargo ou na função, ficando vedada a indicação de paradigmas remotos, ainda que o paradigma contemporâneo tenha obtido a vantagem em ação judicial própria.
§ 6o No caso de comprovada discriminação por motivo de sexo ou etnia, o juízo determinará, além do pagamento das diferenças salariais devidas, multa, em favor do empregado discriminado, no valor de 50% (cinquenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
XXX – proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;
EQUIPARAÇÃO SALARIAL. ART. 461 DA CLT (redação do item VI alterada) – Res. 198/2015, republicada em razão de erro material – DEJT divulgado em 12, 15 e 16.06.2015
I – Para os fins previstos no § 2º do art. 461 da CLT, só é válido o quadro de pessoal organizado em carreira quando homologado pelo Ministério do Trabalho, excluindo-se, apenas, dessa exigência o quadro de carreira das entidades de direito público da administração direta, autárquica e fundacional aprovado por ato administrativo da autoridade competente. (ex-Súmula nº 06 – alterada pela Res. 104/2000, DJ 20.12.2000)
II – Para efeito de equiparação de salários em caso de trabalho igual, conta-se o tempo de serviço na função e não no emprego. (ex-Súmula nº 135 – RA 102/1982, DJ 11.10.1982 e DJ 15.10.1982)
III – A equiparação salarial só é possível se o empregado e o paradigma exercerem a mesma função, desempenhando as mesmas tarefas, não importando se os cargos têm, ou não, a mesma denominação. (ex-OJ da SBDI-1 nº 328 – DJ 09.12.2003)
IV – É desnecessário que, ao tempo da reclamação sobre equiparação salarial, reclamante e paradigma estejam a serviço do estabelecimento, desde que o pedido se relacione com situação pretérita. (ex-Súmula nº 22 – RA 57/1970, DO-GB 27.11.1970)
V – A cessão de empregados não exclui a equiparação salarial, embora exercida a função em órgão governamental estranho à cedente, se esta responde pelos salários do paradigma e do reclamante. (ex-Súmula nº 111 – RA 102/1980, DJ 25.09.1980)
VI – Presentes os pressupostos do art. 461 da CLT, é irrelevante a circunstância de que o desnível salarial tenha origem em decisão judicial que beneficiou o paradigma, exceto: a) se decorrente de vantagem pessoal ou de tese jurídica superada pela jurisprudência de Corte Superior; b) na hipótese de equiparação salarial em cadeia, suscitada em defesa, se o empregador produzir prova do alegado fato modificativo, impeditivo ou extintivo do direito à equiparação salarial em relação ao paradigma remoto, considerada irrelevante, para esse efeito, a existência de diferença de tempo de serviço na função superior a dois anos entre o reclamante e os empregados paradigmas componentes da cadeia equiparatória, à exceção do paradigma imediato.
VII – Desde que atendidos os requisitos do art. 461 da CLT, é possível a equiparação salarial de trabalho intelectual, que pode ser avaliado por sua perfeição técnica, cuja aferição terá critérios objetivos. (ex-OJ da SBDI-1 nº 298 – DJ 11.08.2003)
VIII – É do empregador o ônus da prova do fato impeditivo, modificativo ou extintivo da equiparação salarial. (ex-Súmula nº 68 – RA 9/1977, DJ 11.02.1977)
IX – Na ação de equiparação salarial, a prescrição é parcial e só alcança as diferenças salariais vencidas no período de 5 (cinco) anos que precedeu o ajuizamento. (ex-Súmula nº 274 – alterada pela Res. 121/2003, DJ 21.11.2003)
X – O conceito de “mesma localidade” de que trata o art. 461 da CLT refere-se, em princípio, ao mesmo município, ou a municípios distintos que, comprovadamente, pertençam à mesma região metropolitana. (ex-OJ da SBDI-1 nº 252 – inserida em 13.03.2002)
Equiparação salarial. Os requisitos para a equiparação salarial são: identidade de funções; identidade de empregador; identidade de localidade ou região geo-econômica; trabalho de igual valor, que corresponde a igualdade de produtividade, igualdade de perfeição técnica e diferença de tempo de serviço na função não superior a dois anos. O exercício de função idêntica ao paradigma é o fato constitutivo e imprescindível ao reconhecimento do direito à equiparação salarial, de modo que o ônus da prova recai sobre o trabalhador. Os demais requisitos constituem-se em fatos impeditivos à pretensão, de modo que compete ao empregador produzir a respectiva prova, nos termos do item viii, da súmula nº 6 do tst. Considerando-se que autor e paradigma foram ocupantes do mesmo cargo de gerente adjunto, resta demonstrada a identidade de funções. Não há que falar em tempo de serviço superior a dois anos em favor do paradigma, na medida em que este requisito refere-se ao exercício da função. Restou demonstrado o fato constitutivo do direito, sem que tenham sido demonstrados fatos impeditivos. Horas extras e intervalares. Diante do contexto probatório, para quem exerce o cargo de gerente adjunto, exige-se um mínimo de fidúcia e responsabilidade, ambos diferenciados, seja pelo trato com valores elevados, seja pelo grau de acesso a informações sigilosas, o que, todavia, não se confunde com poderes especiais de gestão e representação. No que se refere ao período compreendido entre 18.4.2016 até a data da dispensa, diante da ausência de controles de ponto, deve prevalecer a jornada declinada na inicial, porém limitada ao depoimento do autor. Em relação ao período que vai da admissão até 17.4.2016, muito embora a testemunha tenha confirmado a alegação de tempo à disposição, tanto na entrada quanto na saída, sem registro nos controles de ponto, verifica-se que o tempo médio gasto com maquiagem não se aplica ao autor e, assim, conforme já observado pelo juízo singular, o tempo despendido pelo autor encontra-se no limite de tolerância estabelecido no art. 58 da clt. Honorários de sucumbência. Conforme estabelece o art. 6º da instrução normativa nº 41/2018 do tst, as disposições do art. 791-a da clt devem ser aplicadas ao caso dos autos, pois proposta a demanda após a vigência da lei nº 13.467/2017. Não tendo a parte autora sucumbido em nenhum dos pedidos, afasta-se a condenação ao pagamento de honorários de sucumbência ao advogado da ré. Índice de atualização monetária. Fica diferida a quantificação da correção monetária para a fase de liquidação, oportunidade em que deverá ser observado o que vier a ser decidido na matéria pelo excelso pretório em razão da afetação coletiva da matéria na adc-58-mc-df.
(Trt-1 – Ro: 01009451420185010033 Rj, Relator: Eduardo Henrique Raymundo Von Adamovich, Data De Julgamento: 23/02/2021, Terceira Turma, Data De Publicação: 18/03/2021)